domingo, 30 de setembro de 2012





D. Sebastião e o Vidente




Autora: Deana Barroqueiro (1945 - )
Edição: Porto, Porto Editora, 2006
Páginas: 640







D. Sebastião é uma das mais incontornáveis figuras da cultura portuguesa, o responsável pela crença nacional no salvador que virá resgatar o país nos seus momentos de crise.
No romance D. Sebastião e o Vidente, «As vidas de el-rei D. Sebastião e Miguel Leitão de Andrada entrelaçam-se desde o nascimento até ao desastre de Alcácer-Quibir». Embora poucas sejam as ocasiões em que estas duas personagens interagem, Miguel Leitão de Andrada acompanha o percurso de vida do rei, salvando-o de certas armadilhas e tentando que as suas visões relativas ao destino do rei não se concretizem: «O rei-menino, corajoso mas ingénuo, e o leal fidalgote de Pedrógão Grande, reconhecido na região como vidente e protegido de Nossa Senhora da Luz, veem-se implicados numa secreta e perigosa intriga de espionagem, com contornos sexuais. (...) O rei mais desejado da nossa história é, apesar de todas as esperanças da nação, um órfão falto de afetos, criado e educado por velhos, como a avó sedenta de poder ou o cardeal regente, tornando-se por fim em joguete involuntário dos desígnios imperialistas do seu tio, o implacável Filipe II de Espanha.»
É com efeito a Filipe II de Espanha que se atribui a maquinação da armadilha na qual o inocente rei caiu e que lhe provocou uma maleita física deveras embaraçosa. É também ao maquiavélico tio espanhol que se atribui parte da culpa pelo desaire de Alcácer-Quibir, pois prometera ao sobrinho colaboração na aventura africana, deixando-o sem rede no último momento.
Ao longo de todo o romance, a bravura do jovem rei é ressaltada: dotado de um «furor juvenil» e de um «furor belicoso», D. Sebastião não hesita perante os perigos e é o primeiro a avançar, dando o exemplo aos seus homens. Esta atitude revela-se frequentemente irresponsável, pois, para o protegerem, muitos homens perdem a vida: «e também [com a morte] de alguns homens do senhor D. Duarte, quando este procurava a todo o custo proteger el-rei que se metia constantemente pelos lugares de maior perigo, cheio de furor belicoso, a dar mostras do seu grande valor e perícia no manejo das armas.»
A fragilidade da saúde e as deficiências físicas de que D. Sebastião tanto se envergonhava são disfarçadas por um aspeto sadio e vigoroso: «O mancebo tinha uma figura gentil e era robusto de corpo, aparentando boa saúde. O rosto tisnado do sol a contrastar com os cabelos cor de cobre, salpicado de sardas que lhe [a D. Filipe II], faziam recordar a irmã Joana [mãe de D. Sebastião e irmã do rei de Espanha] que Sebastião não chegara a conhecer.» (pág. 449).
A arrogância e a vaidade são outras características do jovem rei; «El-rei D. Sebastião passou pelas portas de Tânger pomposo e ufano como um césar cruzando o arco do triunfo, em Roma para ser vitoriado pela multidão em delírio.» (pág. 422).
Esta personalidade justifica comportamentos como os que levaram à derrota de Alcácer-Quibir e, consequentemente, à perda da independência, em 1580.

A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério. 
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve. 
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna. 
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

Fernando Pessoa

Aqui a visão de Manoel de Oliveira do triste dia 4 de agosto de 1578 (talvez o mais triste dia da história de Portugal): excerto do filme Non ou a Vã Glória de Mandar.

Quanto ao estilo, destaco o narrador (auto-apelidado de "cronista") que, à maneira do narrador garrettiano de Viagens na Minha Terra, dialoga com o leitor, justificando as suas opções narrativas («Sempre atento às necessidades de todos os seus leitores, pede o cronista licença para fazer aqui um pequeno interlúdio - palavra derivada do latim que, como o ilustre bacharel ou o insigne doutor em humanidades muito bem sabem, mas a gente comum pode desconhecer, quer dizer "no meio do jogo" -, suspendendo por momentos a ação principal da sua narrativa sem todavia lhe alterar o rumo, a fim de prover os menos entendidos nestes conflitos de infiéis com alguma informação adicional para uma melhor compreensão da nossa história. E a quem ela não fizer falta dar-se-á liberdade de saltar o obstáculo e prosseguir com a viagem. Sem ofensa tomada.» - pág. 439) e garantindo a veracidade do que narra («Todavia, não se espante o desprevenido leitor se o contrário ouvir em crónica de outra língua, sobretudo na castelhana, pois os nossos vizinhos, zelosos da sua honra e glória, sempre antojaram e apoucaram os feitos dos portugueses, pagando com o mal o bem que lhes fizemos através dos tempos. Deve, por isso, descrer de tais testemunhos e fiar-se antes de mais na palavra do seu narrador que, embora não estando presente no combate, dele teve minucioso conhecimento por muitas e honradas fontes.» - pág. 421).

1 comentário:

  1. pelo resumo do livro, parece-me agradável; dá aquele "gostim" de adquirir novas informações sobre o passado real português.

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